José Mário Martinez
É sabido que os matemáticos são os profissionais mais felizes. Há razões para isso, a primeira que não precisamos de esforços físicos, exceto aquela vez que recebemos a doação de um vetusto computador PDP8, com a condição de que o tirássemos do quinto andar de um prédio da Vila Industrial numa manhã de domingo. Também não corremos o risco de nos intoxicar com reagentes, solventes nem detergentes, já que dois almoços com feijão estragado em refeitórios duvidosos não se contam porque ninguém manda não trazer lanche de casa. Não nos congelamos em trabalhos de campo apesar de que o prédio do IMECC é bem friozinho, não precisamos de equipamentos milionários, nada que pegue fogo em nossas salas (exceto nós mesmos) merece grande respeito, nem minha prateleira com papers dos anos loucos que poderia arder junto com os invisíveis ácaros que, por milhares, se nutrem dessa duvidosa literatura.
Quando há guerras, terremotos ou epidemias, os matemáticos nos mergulhamos em meditações insondáveis das quais saímos, às vezes, passado o perigo. Acordados, não nos lembramos de nada e o único inconveniente sofrido pode ser haver sido alimentados, inadvertidamente, com comida de cachorro requentada por semanas a fio.
Os matemáticos somente sofremos quando perseguimos um resultado sem sucesso, e suspeitamos que há um gênio maligno que se empenha em colocar armadilhas e pistas falsas cada vez que sentimos que o objetivo está para ser alcançado, talvez para castigar nossos pecados. Dizem que Descartes inventou as coordenadas para disciplinar o gênio maligno, mas este sempre reaparece, como a metafísica.
O IMECC foi um bom lugar para ser feliz. Almoçamos na cantina da Betty por muitos anos, nunca falamos de política, nem de religião, nem de futebol. As pessoas pensavam que conspirávamos, mas na realidade nos digladiávamos em polêmicas sobre a diferença entre bolacha e biscoito e sobre a forma correta de lavar as orelhas no chuveiro. Quando se fez inevitável confessar por qual partido votava cada um, a Betty fechou a cantina e nos dispersamos.
Enfim, foram-se 50 anos, dos quais estive presente em 40. O amigo Joni esteve em 47. Provavelmente, entre os atuais colegas, há alguns que participarão na festa dos 100 anos. Oxalá sejam tão felizes como nós.